sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Relato Desafio 3 Subidas para a Morte e 3 Descidas para o Paraiso

Antes do desafio escrevi

Estratégias e motivação para desafio das 3 subidas e morte antes de chegar no paraíso.
Algum maluco inventou este desafio, alguém me disse que era difícil, mas que poderia caminhar e que não seria uma corrida. Ai já viu.
Agora pensando em participar! 
Tenho que inventar alguma estratégia para ir melhor, ou algum objetivo para ser atingido e nem tanto para isto, mas para servir de motivação para os momentos difíceis.
Para quem não tem treino nenhum de corrida, só sobra a opção de caminhar (e trotear) usando o máximo de técnica (se tiver alguma!), principalmente parando pouco, a fim de ganhar algum tempinho.
Então pensei os meus objetivos reais ou mitológicos para este desafio.
1- Completar os 21km das 3 subidas;
2- Chegar em casa a tempo para o almoço. O Almoço vai ser um bom motivo, quem sabe alguma Malzbier depois da chegada!
3- não ser o último a chegar! O problema vai ser o pessoal que desiste e não chega, me deixando por último;
4- não desistir e não morrer. Adiciona ai: não estourar os joelhos a descer.

5- chegar na frente do Marco Cordova !!!! Ai sim o grande motivador!

O texto acima foi escrito de forma irônica, mas verdadeira. Não tive tempo de treinar e nem é do meu costume atual correr. A verdade é que nem lembro mais quando havia realizado alguma corrida. O que estou mais acostumado é com as caminhadas de longa distância a um ritmo de 6 km/h, ou mais. Estou acostumado a desafios longos e difíceis, mas pedalando, o que me restava era a experiência que, sozinha, não ajuda muito.
Não tinha nem ideia das minhas condições e duvida inclusive se conseguiria correr do local de largada até o início da primeira subida. Pensei até em fazer um planejamento e uma tabela a ser seguida com o ritmo de corrida no plano, de caminhada a subir e de corrida, ou caminhada a descer, mas nem isto tive tempo devido ao horário alongado do comércio antes do natal. Estava com dúvida também de quanto eu estaria cansado antes da largada, devido ao excesso de trabalho. Desafio que é desafio não pode ser fácil e de qualquer forma qualquer participante enfrentaria os seus, independente do ritmo e das intenções durante este desafio. Conhecia a maior parte dos participantes e muitos deles haviam treinado para este evento, alguns destes, mesmo assim, estavam com dúvida em participar, ou não.
O que interessa é que na largada eu estava lá. Só de lembrar já posso afirmar que foi bom, pois estava largando ao lado de vários bons atletas e de muitos amigos. O dia estava nublado e o tempo prometia chuva o que seria uma benção se comparado ao clima escaldante do dia anterior. Na noite a chuva forte já havia refrescado o clima.

Dos itens listados acima:
 1- completar os 21 km e as 3 subidas. Este era o verdadeiro objetivo, pois se fosse uma distância menor, no meu caso seria uma frustração por não ter tentado o máximo;
2- Chegar em casa até a hora do almoço. Imaginava que na pior das hipóteses eu poderia caminhar os 21km e completar o desafio em 4h, mas sabia, sem ter certeza, que conseguiria em menor. Chegar em casa para a hora o almoço seria em até 4 horas e caminhar 21km sem correr. O que fosse mais rápido seria saldo de alguma superação. Lembrar dos tempos em que corria 16 km por noite não seria o suficiente e até era bom que não lembrasse mais disto, pois não correria o risco de ser enganado pela minha memória esportiva.
3- não ser o último a chegar! Na verdade não me importaria de ser o último, mas o objetivo tinha de ser o de superar alguém, pois se largasse para ser o último, não precisaria me esforçar em quase nada. O adversário era o eu e não os outros;
4- não desistir e não morrer. Adiciona ai: não estourar os joelhos a descer.
Sim este era um cuidado bem importante onde a minha experiência me dizia, e isto se comprovou, que eu teria mais dificuldades a descer, do que a subir.
Desistir é algo que tenho bem gravado no psicológico como uma opção que não devo levar em consideração;
Não morrer representa a opção de saber dosar as energias, sentir o meu corpo, evitando principalmente andar inicialmente em um ritmo além das minha capacidade. Não morrer significa saber o que estava fazendo ( no meu caso um grande desafio) mesmo não tenho certeza do que enfrentaria ( devido à falta de treino) mas sempre lembrando que não seria fácil. Não iria subestimar as dificuldades das 3 subidas e 3 descidas.
Não estourar os joelhos a descer. Eu sabia da dificuldade na descida, pois nas caminhadas sinto dificuldade e mais dores nos joelhos a descer. Correndo seria ainda pior. Devia levar em consideração o meu peso acima do ideal para um corredor.
Para quem não tem treino nenhum de corrida, só sobra a opção de caminhar (e trotear) usando o máximo de técnica (se tiver alguma!)
Então tudo deveria ser: correr no plano e a descer sempre que possível e caminhar rápido a subir utilizando o máximo de técnica. Que técnica? A dos bastões de caminhada que eu estou muito acostumado a utilizar nas caminhadas e que me ajudam a ter um bom desempenho nas subidas (caminhando!). Tinha consciência que as subidas não seriam problema se eu caminhasse utilizando os bastões e por isto, prevendo as dificuldades extras, optei por ser o único maluco a largar com mochila nas costas- que levei principalmente para o transporte dos bastões. No meu caso o nome mais apropriado do desafio seria: 3 subidas lentas para o céu e 3 descidas para o inferno.
5- chegar na frente do Marco Cordova!!!! Ai sim a brincadeira, pois sei que o Marco Cordova está bem mais acostumado a este tipo de prova do que eu, mas sei que ele entenderia a brincadeira.
Largada na chuva e seguimos em um ritmo sustentável. Chegada ao inicio da primeira subida e eu estava ainda bem. Por ser a subida mais fácil decidi não utilizar os bastões. Por ser apenas a primeira decidi não gastar todos os cartuchos na primeira batalha. Então segui tentando encontrar um ritmo de andamento, revessando a caminhada e a corrida. Os demais corredores começaram a nos ultrapassar, mas isto não era o meu foco principal.
Final da primeira subida já estava bem aquecido, mas haveriam mais algumas subidinhas até o início da primeira descida- a mais inclinada. Neste trecho já estava junto a outros corredores que seguiam próximos, Denise e Daniel que seriam os meus companheiros quase até o final do desafio.
 Inicio da descida e fiz o teste de correr embalado esticando bem as pernas, Seria possível correr assim, ao menos no local, mas depois de um 150 metros voltei ao ritmo mais lento e freado. O impacto nos pés e pernas era muito grande e não saberia até onde conseguiria manter este ritmo. Descemos correndo a passos curtos e alguns trechos caminhando rápido.
Novamente no plano corremos e alguns trechos caminhamos. Já estava no meu ritmo de prova, mesmo que lento para a média, mas seria um ritmo sustentável, pois não estava me cansando.
Inicio da segunda subida. Agora era a hora dos bastões de caminhada, tive que aprender a tira-los da mochila Salomon enquanto caminhava. Os bastões estavam presos na mochila por elásticos na parte baixa, um de cada lado, e na parte superior, os dois do mesmo lado, o que deixava a mochila mais pesada de um lado. Tai algo que poderia melhorar na mochila, mas este problema ficou resolvido quando alterei as regulagens. Demorei até regular os bastões, mesmo tendo feito marcas nas hastes com a altura correta de cada um.  Bastões e andamento de caminhada rápida a subir, respiração acertada, lá estava eu na minha zona de conforto, mas que também me faz gastar energia. O subida não era mais o meu problema. Final da subida com chuva forte e vento contra, aproveitei que alguém estava fazendo fotos, para correr utilizando os bastões. È alguma coisa bem estranha, que me lembra correr de 4 patas, mas duas são os bastões.
Chegando no final da subida o pessoal da organização estava oferecendo água e o gel de carboidrato que aceitei e pude conferir a utilidade e o acerto na hora/ local em que foi distribuído. Energia renovada seguimos no trecho mais plano até o Trevo do Fritz e Frida onde encontramos a Grazi. Perguntei as horas: 9:34. Se estávamos aproximadamente na metade da prova com um tempo aproximado de 1h e 30 minutos, poderíamos completar o desafio em aproximadamente 3h. No meu caso já seria um tempo bom, independentemente do tempo dos demais.
Descida da segunda. Descer foi mais fácil do que na anterior, mas eu senti as primeiras dores nos músculos acima dos joelhos, aqueles que usamos para frear na pisada.
O Tênis Salomon XR Mission 1 foram muito bem, pois em nenhum momento escorreguei no chão molhado e também não senti dores nos pés. O impacto foi bem absorvido. Sou alto e grande e estes tênis possuem uma base mais larga que não me deixa torcer o pé, além de serem bem confortáveis.
Usei meias de compressão da marca SIGVARIS Performance. Já tinha utilizado estas meias no dia a dia e em pedaladas, mas nunca para corrida. Imaginava que sentiria dores na panturrilha e frente das pernas, ou que poderia estar com pernas inchadas nos dias seguintes ao desafio, mas fiquei surpreso. Durante, ou depois do desafio, não senti nenhuma dor, ou inchaço nas pernas, tornozelos e pés- região que ficou sob efeito das meias de compressão. Deveria ter utilizado uma meia de compressão até o pescoço, pois as dores nas coxas, braços e um pouco também nas costas, persistiram por dias.
Logo no final de segunda descida iniciava a terceira subida, primeiro um pouco de corrida e logo depois volto ao meu ritmo de caminhada com bastões que me fez tirar vantagens sobre os meus companheiros de indiada. Subi todo o percurso no mesmo ritmo. Estava quente e a chuva estava muito boa. No final da subida senti a queda de pressão, mas foi só alguns goles da água e respirar fundo e saímos correndo novamente. Deixei os bastões com o Luis Leandro que me entregou no final da prova.
Agora estava retornando do céu para o inferno e previsível- a falta de treino fez efeito- comecei a sentir dores nos músculos das pernas- alcançamos o Bilheri, que já estava mais lento  e com dores nos joelhos.
Última descida e agora estava difícil correr, mas também não estava mais preocupado e sim feliz, pois já estaria superando as minhas expectativas neste desafio. Só não tinha certeza se não seria último a chegar, mas que diferença faria?

Seguimos caminhando e conversando. A Denise já havia sumido na nossa frente. Eu, Bilheri e Daniel seguimos vez ou outra tentando correr. Em alguns trechos eu corria e gritava alto, se alguém viu deve ter pensado: o que é isto? Chegando na chuva, deu tempo de comer uma pera de alguma pereira na rua Oscar Jost. A partir da esquina da rua Alberto Pasqualini seria a corrida do Sprint da chegada. A gente esquece o cansaço a dor.
 Foi muito bom participar, conversar com alguns dos demais participantes e ficou a vontade de voltar a correr regularmente para estar melhor nos próximos desafios.

Parabéns a organização, aos voluntários e quem apoio o evento.
Parabéns principalmente ao Márcio Reis idealizador do evento.
Obrigado as companheiros de desafio que com certeza foram muito legais.

Luiz M. Faccin
Dez 2014

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Pedalada em Garopaba- Tombo


Pedalada em Garopaba- O Tombo!
  
Ontem pela manhã sai para mais uma pedalada em Garopaba!

Havia combinado com um ciclista para sairmos em algumas trilhas  no Ambrósio e Ibiraquera, 42 km, mas ele não apareceu. Sete horas e quinze minutos e sai mais uma vez sozinho e como quase sempre resolvi descobrir novas trilhas. Resolvi investigar uma trilha para chegar ao topo de um morro, um dos mais altos das redondezas, que havia visto na carta topográfica da região!

Segui em direção a praia do Siriu e subi a estrada em direção a Paulo Lopes e Praia da Gamboa. Pedalava sem pressa, mas como nas férias estou descansado a média sempre é boa. Na parte mais alta da estrada, antes de iniciar a decida, avistei uma trilha a esquerda, devia ser ali!  Entrei em uma trilha no campo e subi até onde podia sempre pedalando. Duas porteiras a frente e logo depois de cruzar uma trilha no mato e de enfrentar a fúria dos gaviões (o passaro mesmo!) donos do local, cheguei ao topo, local com visão de quase 360 graus. 

Podia avistar desde Paulo Lopes, até a Praia do Siriu, mas o mais bonito talvez fosse avistar a Serra do Tabuleiro com seus 1250 metros de altitude a poucos km do mar, e avistar Floripa ligando a ilha ao continente!

Estava lá sozinho, gosto disto, mas sei dos perigos.
Não é a brancura dos cabelos que fornece a prudência (Menabro)

 Fotos e filmagens e resolvi voltar para chegar a tempo para o café. Digital na mão direita descia com cuidado no campo. A roda dianteira travou em algum buraco, a suspensão desceu a frente da bike travou de vez. Sem a digital na mão seria fácil continuar em cima da bike, mas foi inevitável, cruzei em cima do guidão e aterrizei na grama. 
Logo levantei e senti uma fisgada na perna direita. Levantei a perna da bermuda a vi um buraco de um dedo e muito profundo. Vi o manete do freio sujo de sangue e descobri o que havia causado aquilo. 

O meu pensamento foi muito rápido, vai jorrar sangue e estou sozinho aqui, tenho que agir rápido. Guardei a digital suja de sangue na mochila, deixei a bermuda como estava sobre o ferimento, não fiquei apavorado e desci ainda mais rápido. Nas passagens de cerca eu cruzei por baixo para fazer mais rápido. Cheguei a estrada e ali ao menos seria visto. Pensei em ligar para a minha mulher, mas nunca ligo, para que apavorar a família e  que ela poderia me ajudar? Não estava sangrando tanto e tinha 2 km de descida a frente. Estava usando pneu traseiro slick e dianteiro gasto e não pude soltar os freios na estrada de areão. No Siriu passei na frente de um posto de saúde que estava fechado, passava das 8 horas e tinha um bilhete na porta, mas eu não parei e nem li! Resolvi pedalar até a pousada, uns 13 km sem grandes subidas. Pedalava principalmente com a perna esquerda, na subida a perna doía, não no ferimento que apenas ardia, mas nos músculos e lembrei dos tendões. A perna tinha movimento e não podia esfriar! 
Cheguei a pousada e larguei, bike, capacete, luvas, mochila, acordei a mulher e me larguei a pé para o hospital, ou posto de saúde que fica a 200 metros. No Posto aguardei uns 40 minutos e fui atendido. Lavado, anestesiado e suturado até fui bem atendido apesar de poder ser contaminado pelo fio da sutura que encostava na maca, na perna e na bacia de sangue e soro!
O Ferimento? Putz! Ainda bem que o manete de freio Shimano Deore Xt v brake não é mais longo! Os tendões podiam ser visto, mas não foram atingidos! È claro que eu não vi, mas podia ver o dedo do médico subindo dentro da minha perna. Como disse o Lance, a dor é momentânea, mas as lembranças são eternas.
Agora estou bem, sem dor, tomando medicamento, sem poder pedalar, sem banho de mar, com pouco de dificuldade para caminhar, mas isto é o de menos!


A coletânea de pensamentos é uma farmácia moral onde se encontram remédios para todos os males ( Voltaire)
  


24 de janeiro de 2007!

segunda-feira, 17 de março de 2014

TRAVESSIA DO CANION FORTALEZA

23-04-99
Depois de vários dias de preparativos, de muitos telefonemas, E-mails, e uma demorada  definição do grupo de participante, com muita expectativa, finalmente  chegou o dia da partida para a nossa aventura.
 Fazer a travessia do Canion  Fortaleza, nos municípios de Cambará do Sul e Jacinto Machado, divisa  entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina era o nosso objetivo. Simplesmente, por ser um dos lugares mais bonitos, inacessíveis, perigosos e só por isto preservados no Brasil, no Parque Nacional da Serra Geral.
Trabalhei  até 17h e 30minutos, sai do serviço e passei na casa do meu primo Albino Adilson  Kuhn, que me esperava para pegar uma carona até a minha  residência  que fica próxima da estação rodoviária de Santa Cruz do Sul.
Em casa, tomei um banho rápido, coloquei os últimos equipamentos na mochila,  me despedi de minha esposa e de minha filha, que mais uma vez não entendeu porque o papai iria para tão longe , e eu ,mais uma vez, não soube explicar.
Mochila nas costas, fomos caminhando até a rodoviária, e às 18h e 30minutos iniciou a nossa viagem com destino a Porto Alegre. Na mesma hora, o meu amigo Álvaro Miguel Müller  estava embarcando na rodoviária de Rio Pardo, também com destino a Porto Alegre.
Às 20h e 30minutos, chegamos na rodoviária da capital, onde tivemos tempo de nos pesar com a mochila nas costas, antes  que os meus amigos  Fábio e Eduardo Kieling  chegassem para nos buscar.
No apartamento do Fábio, aproveitamos para conferir os equipamentos, e ajudar na montagem das mochilas do Fábio e Eduardo. Como havíamos combinado, saímos  para jantar, em um restaurante com rodízio de massas,  voltamos quase a meia noite. O Fábio, que estava  bastante ansioso para a travessia, ainda precisava terminar de arrumar o seu material, o que acabou demorando e só deitamos para dormir  as 2h do dia 24.

24-4-99
Acordamos às 5h, fizemos um lanche rápido e saímos a pé para a rodoviária, mas  logo, decidimos pegar um taxi para não nos atrasar.
Na rodoviária,  pela primeira vez ficamos  todos reunidos, eu, Albino, Fábio,  Eduardo, Eric Guatimozin Silva, que já estava nos esperando, e o Álvaro, que chegou logo depois. Este era o nosso grupo e  família para os próximos  dias.
Nossa viagem, iniciou às 6h e 15minutos, demorada, cansativa, com um ônibus convencional, até a cidade de Cambará do Sul. Em São Francisco de Paula, tivemos que fazer uma baldeação, pegando outro ônibus para concluir a viagem.
Chegamos em Cambará ás 11h e 20minutos. Eu  pretendia seguir para chegarmos o mais rápido possível  no Canion e iniciarmos a  travessia, mas como a maioria decidiu, almoçamos em um restaurante em Cambará. Logo depois, contratamos uma combi que nos levou até o início do Canion  a 16km da  cidade.
O tempo estava  perfeito, confirmando as previsões de tempo bom para aquele fim de semana. Estávamos no nosso ponto de partida  a  1057m de altitude, no alto  da encosta da serra, local onde tiramos as primeiras fotos.   Ás 13h e 15 minutos,  iniciamos a  nossa aventura propriamente dita, ou seja,  a caminhada para a travessia do Canion.
 No início foi fácil, só  campo e banhado, até chegarmos  no mato, onde tivemos que fazer muitos desvios  para conseguirmos passagem, mas sempre continuamos seguindo o arroio. As mochilas, várias vezes, enroscavam nos cipós e também pegamos os primeiros espinhos ( melhor dizendo, eles nos pegaram ), nada que diminuísse o nosso ânimo.
Chegamos a primeira queda d'água, onde o relevo começou a mudar e passamos a caminhar  somente por dentro do arroio. Aos poucos,  a inclinação da  descida, o tamanho das pedras e a quantidade de pequenas quedas d’água  aumentaram. Várias vezes, fomos obrigados a entrar no mato fechado, para desviar destas quedas.
Ás  14h e 30 minutos, chegamos na primeira queda d'água mais alta (aproximadamente, 20m a  900 m de altitude). Paramos pela primeira vez (tempo de parada: 10 minutos), a fotografamos várias vezes. Aproveitei para instalar a máquina fotográfica no tripé para melhorar a qualidade das fotos. A partir deste ponto, a decida começa a ficar mais difícil, somos obrigados a usar mais os braços para  nos apoiar, e a sentar para descer de uma pedra para outra. O arroio  se transforma  em  uma sucessão de pequenas cachoeiras e corredeiras, as vezes some entre as pedras para reaparecer novamente mais abaixo.
A  medida que vamos descendo, dos dois lados do arroio surgem paredes de pedra, que é o que caracteriza o Canion. Avistamos os paredões do Canion  mais ao fundo. O sol já não aparece mais. Apesar de tudo, a nossa descida é tranqüila. Apenas em um lugar tivemos  que descer uma queda d'água sentados em cima de um tronco de arvore  caído ( poderia  ter sido evitada está descida, seguindo por outro local, mais perigoso mas, mais rápido).
Chegamos até o mesmo  lugar onde eu,  o  Albino  e  o Miguel Lawisch  já havíamos descido no feriado de Páscoa de 1997 (altitude 800m), uma queda d'água de aproximadamente 30m, entre dois paredões de pedra, em um formato afunilado e, na parte inferior,  um poço de água  grande e profundo.
O  Fábio queria descer  com a corda pela  queda d'água e largar as mochilas também pela corda , até uma pedra maior  próxima a água  na  parte inferior.
Eu  disse que achava  perigoso e  lembrei  que, na outra oportunidade em que estive ali, um outro grupo, que estava fazendo a travessia do canion,  tinha entrado em  uma trilha a esquerda e retornado,  e depois entrado em uma trilha a direita  e não retornado mais.
Encontramos a trilha da esquerda e não entramos, retornamos, subindo pelas pedras por onde havíamos descido e encontramos o que parecia  ser uma trilha que seguia a direita. Seguimos pela trilha entre espinhos e cipós, chegando no alto de um paredão de  32m  onde não podíamos seguir. Tinha neblina e estava começando a escurecer. A noite no Canion  chega  mais cedo e mais rápido.
Se descêssemos  o paredão, chegaríamos  na parte inferior  a  queda d'água que estava nos impedindo a  descida.
Álvaro , por ser o mais experiente e por ter  conhecimentos de escalada, foi o primeiro a descer, para poder subir de volta pela corda se fosse preciso, pois não tínhamos visão de  onde chegaríamos após a descida. Logo depois, desceu o Eduardo, e então chegou a vez do Eric, que nunca tinha feito rappel (fato que só  ele e o Fábio sabiam até então). Muito nervosismo  e expectativa, principalmente quando eu e o Fábio  vimos  que  o Álvaro e o Eduardo não estavam junto a outra ponta da corda  fazendo a segurança. Gritamos desesperadamente para eles que, apesar do barulho da água,  nos escutaram e voltaram para  junto  da corda(local  que, de onde estávamos, não podíamos vê-los). A nossa preocupação parece  ter  aumentado ainda mais  o medo do Eric, que ficou apavorado. Gritamos  orientações  de como proceder conforme percebíamos a sua descida e, felizmente,  ele desceu bem.
O Álvaro e Eduardo gritaram que, tinham saído de perto da corda para procurar uma trilha para continuar a descida e tinham encontrado...
Chegou a minha vez  e, logo no início de descida, escorreguei e cai com o braço esquerdo contra o chão, levantei e, rapidamente, recomecei a descida. Logo, percebi que o medo do Eric não era sem fundamento, a descida era muito mais difícil do que parecia. A encosta era quase toda encoberta por vegetação, principalmente cipós ou plantas trepadeiras, onde os pés ficavam presos. A encosta era molhada e lisa, e a escuridão e o peso da mochila,  nas costas, contribuíam para dificultar ainda mais.
Chegando no final da descida, percebi que ali era um local com pouco espaço, praticamente só pedras e água, e que logo abaixo no rio  existia outra queda d'água, muito parecida com a anterior por onde não poderíamos descer, principalmente, a noite.
Albino desceu bem e o Fábio, que foi o ultimo a descer, foi o que teve maiores dificuldades, principalmente devido a visibilidade ser cada vez menor  e  porque estava mais cansado. Conforme  o  Fábio descreveu, seus pés ficaram  completamente presos  nos cipós. Para se soltar,  foi preciso soltar cada vez mais a corda  até ficar  de cabeça para  baixo e o  cipó, que o estava prendendo, arrebentar. Chegando mais próximo do final da descida, Fábio  soltou  a  mochila  que caiu em cima da vegetação e foi recolhida  pelo Albino.
Após  todos terem descido e a corda ser recolhida,  seguimos  pela  trilha, ou o que parecia  ser uma trilha, que o Álvaro e  Eduardo tinham  encontrado.  A  “trilha” seguia  pela encosta  no meio do mato. Logo tivemos que ligar as lanternas e em meio aos  cipós e  espinhos  chegamos novamente no alto  de um  paredão.
O  Álvaro queria descer, mas o  Fábio queria retornar para o rio para passarmos a noite em cima das pedras. Eu  sugeri que ficássemos  ali mesmo,  pelo menos estávamos  protegidos pelo mato e não estávamos  tão perto da água. Descer de corda, à noite, em  local  desconhecido,  era  arriscado e não  tínhamos  como saber  se  lá em  baixo  encontraríamos um lugar  bom  para passar a noite.
Como  ali  tinha  pouco  lugar  para todos, o Fábio, o Eduardo e o Eric voltaram para o  rio. Eu,  Albino e Álvaro começamos a montar as redes ali mesmo no pouco espaço disponível. Tivemos dificuldades para montar as redes. Primeiro, tivemos que cortar galhos cipós e espinhos  e  depois amarrar as cordas somente com a ajuda das lanternas para iluminar a escuridão. Depois de instaladas as redes e toldos, ascendemos algumas velas e trocamos de  roupa, colocando roupas secas.
Começa a chover. Era  aquela  chuva ou chuvisqueiro  tradicional das noites dos Aparados. É tanta neblina e umidade que ela se torna um chuvisqueiro, que em baixo das árvores cai com pingos grossos.
Estávamos cansados,  com fome e, principalmente, com  sede. Estávamos tão perto da água e ao mesmo tempo tão longe.  Não tínhamos água e para conseguí-la  tínhamos que voltar até o rio. Resolvi  ir  buscar água. Peguei a lanterna e a caneca e fui em direção ao rio, com muita dificuldade consegui encontrar o caminho. Cheguei  em um  barranco que tinha que descer para  logo abaixo chegar até a  água. Este barranco tínhamos  subido segurando nas raízes existentes, porem, agora eu tinha que descer, não consegui ver as raízes e a terra que antes estava seca, agora estava molhada por causa da chuva. Logo abaixo do barranco de terra, de aproximadamente 2,5m de altura, tinha uma pedra  e depois da pedra o abismo da cascata que eu podia ver o início ali do ladinho.  Pensei, “ passo a noite com sede e com fome mas fico vivo! Não vou descer.”
Gritei  para ver como estavam o Fabio, Eric e Eduardo, se estivessem perto poderiam  me ajudar a descer ou me alcançar água, tentei ilumina-los com a luz da lanterna , não consegui.  O Fabio respondeu que tinham subido o barranco e estavam do outro lado do rio. Perguntei se estavam bem, ele respondeu que sim. Novamente tentei ilumina-los com a luz da lanterna, desta vez mais para o alto, para onde a voz do Fabio parecia  ter vindo (parecia que estavam tão perto), novamente não os vi, estavam camuflados pela vegetação. Respondi que estávamos  bem, que não se preocupassem  com nós  e que de manhã nos veríamos.
<  Segundo Fabio, Eric e Eduardo me contaram no outro dia:
Eles desceram o barranco, onde eu estava parado, com muita dificuldade.
No rio, o Fabio, apesar da hora, foi tomar banho, o Eduardo e Eric começaram a preparar a janta, quando o Eduardo foi colocar o tubo de gás no fogareiro, o tubo abriu, a borracha de vedação  se rompeu e  o gás  vazou,  quase que em um estouro só. O fogareiro ficou inutilizável. Depois fizeram um lanche a base de pão, bolachas, lingüiça e água. Estavam se preparando para dormir,  já deitados nos sacos de dormir,  em cima de uma pedra maior e quase plana, quando começou a chover. Rapidamente, recolheram as coisas, atravessaram o rio e com muita dificuldade subiram o barranco, tentando encontrar um lugar mais abrigado para passar a noite e principalmente para estender as redes.  No escuro não encontraram  árvores apropriadas e nem lugar plano. Amararam  as redes em uma espécie de xaxim,  que tem no máximo 2m de altura, entre 30 e 40 cm de diâmetro, centenas de espinhos e um aspecto de que representa ser muito frágil.
     Quando o dia  clareou, na manhã seguinte,  perceberam que tinham amarado as redes praticamente sobre o abismo, se alguém tivesse caído da rede cairia uns 40m até se chocar contra as pedras na parte inferior da cascata. Felizmente  isto não aconteceu.
Depois  de falar com o Fabio comecei a retornar para o nosso acampamento, que só encontrei porque vi  as  luzes das velas acessas. Sem água a janta que tínhamos programado para a primeira noite estava cancelada. Também íamos passar a noite sem banho, sem escovar os dentes, coisas que no momento não faziam muita diferença. Comi algumas bolachas, algumas barras energéticas e me preparei para dormir:  já passavam das 9h da noite.
Dormir  com sede e ao mesmo tempo com um barulho muito alto da queda de água. Dormir em uma rede mal montada e sem estar acostumado a dormir em rede;
Eu estava  com uma rede de nylon,  um saco de dormir de nylon, calça de abrigo e um casaco também de nylon, tudo muito liso, a cada movimento e eu precisava me segurar para não cair.
A solução era  ficar quieto e esperar o sono me vencer.
Quieto, comecei a sentir um pouco de frio e notei que o meu braço esquerdo estava doendo  próximo ao cotovelo, quando mexi o braço ele realmente doeu. Era só mexer um  dedo da mão e o braço já doía,  lembrei-me que tinha caído no início rappel. Fiquei com medo de Ter sofrido alguma fratura e que com o braço quebrado a travessia do canion é quase impossível.
Permaneci tentando encontrar uma maneira de dormir.
Parou de chuviscar as duas horas da madrugada, liguei a lanterna e notei que não tinha mais neblina, olhei em volta iluminando com a luz da lanterna e vi abaixo de min uma encosta muito profunda com uma parte escura antes de uma parede  vertical de pedra. Assustei-me porque estávamos e tínhamos passado muito mais perto do abismo do que parecia. Eu sabia que se eu caísse da rede não cairia neste abismo, mas mesmo assim eu tinha a sensação de que abaixo de minha rede estava apenas o vazio.
As 4h,  cansado de tanto tentar me ajeitar em cima da rede para não cair, levantei, vesti a cadeira , usada no rappel, cortei um pedaço de corda,  amarrei na cadeira e no mosquetão e cruzei  na corda que eu tinha amarrado a rede e que ia de uma ponta a outra da rede, passando por cima de min e ajudando a segurar a lona que servia de toldo. Sabia que esta corda estava bem amarrada e que desta maneira eu não cairia da rede. Assim amarrado fiquei mais firme em cima da rede e mais tranqüilo.
Aos poucos o barulho da queda de água foi diminuindo, diminuindo...   por alguns minutos não escutei  mais o barulho da queda de água,  estava na minha cama, dormindo tranqüilamente.   De repente,  Que susto!  Foi como se alguém tivesse  ligado um aparelho de som a todo volume, ou o despertador tivesse tocado,  era o barulho da queda de água que  tinha  voltado e eu estava de volta ao canion.
Na realidade eu tinha dormido por aproximadamente uma hora, passavam das cinco horas, um novo dia estava começando.

25-05-99

O Alvaro me chamou, ele, assim como eu, também tinha passado a noite praticamente sem dormir.
Depois das cinco o dia começou a clarear, passamos a conversar e a observar o céu entre os  galhos das arvores, as flores no paredão de pedra e o abismo que ficava cada vez mais visível.
O dia estava claro, chamamos o Albino, que estava quieto, acho que estava dormindo. Ele também tinha passado a noite quase sem dormir, tinha instalado mal a cobertura  e a chuva tinha molhado a sua rede.
Seis horas, hora de levantar, a noite não tinha sido boa, mas  apesar da chuva , não podíamos reclamar  do clima  porque não tinha feito frio o que é raro acontecer nos Aparados da Serra.
Escutamos alguns gritos, era o Fabio e o Eduardo não entendi o que  eles gritaram.
Levantar, tirar a roupa seca, colocar as calças e botas geladas e molhadas, desmontar a rede, guardar a lona molhada na mochila.
O Fábio e o Eduardo gritaram novamente que estavam prontos para continuar a travessia e que tinham encontrado  o caminho.
Com a ajuda do Álvaro enfaixei  parte do meu braço esquerdo, sem imobiliza-lo, para tentar evitar a dor e o aumento da contusão.   
Terminamos de guardar os materiais e saímos em direção ao rio. Ficamos assustados com os lugares  por onde tínhamos  passado durante  a  noite. Passamos ao lado de penhascos muito altos, que durante a noite pareciam pequenos barrancos. 
  Com  dificuldade,  descemos o barranco que eu fiquei com medo de descer durante a noite quando sai para buscar água.
Chegamos ao rio e  avistamos  o local  onde tínhamos descido com ajuda da corda.
Encontramos o Fábio, Eric e o Eduardo que nos esperavam e subimos o barranco do outro lado do rio, para continuarmos a nossa aventura.
Eram 8h,  reiniciamos a caminhada sem tomarmos o café da manhã.
Já no início para subir o barranco senti dor no meu braço esquerdo, a primeira e depois   cada vez que precisava  apoiar ou fazer força com este braço sentia dor.
Estávamos na parte mais íngreme do canion  e o rio é uma seqüência de quedas de água. Avistamos o local onde tínhamos passado a noite, agora na parte inferior.
Seguimos  no mato descendo na encosta por onde andamos por mais de uma hora. Avistamos a queda de água de 80m  do Arroio Segredo, talvez o local mais bonito do canion, se é que se possa  dizer que um local é mais bonito do que o outro. A impressão que tive, enquanto fazia a travessia, foi a de que, o local mais bonito do canion sempre era aquele que eu estava no momento.
Continuamos descendo até chegarmos no rio por onde  prosseguimos. Descida demorada, por varias vezes tivemos que tirar as mochilas das costas para conseguir prosseguir/ descer de uma pedra para outra.
Chegamos até o encontro dos arroios onde tem uma queda de água também muito bonita . A partir  deste ponto o canion  se torna mais plano, passamos a andar mais pelo rio. Dos  dois lados do rio existem paredões verticais de pedra é como se estivéssemos  caminhando dentro de uma calha gigante que a natureza  levou milhões  de anos para esculpir. Pela primeira vez tivemos que andar com água pela cintura.
Logo percebi algumas das características dos meus companheiros de viagem. Eric era o mais lento, Fabio, o mais cansado e Álvaro, o mais apressado e rápido.
Ao contrário do dia anterior estávamos progredindo dentro do canion. Próximos aos 700m de altitude encontramos um lugar plano, com arvores, ou seja um lugar ideal para termos instalados nossas redes e passado a noite. Percebemos o nosso erro, devíamos ter iniciado  a descida do canion mais cedo, assim teríamos tempo  de encontrar um lugar para passar a noite.    
Começamos a encontrar arvores caídas, quebradas recentemente, e folhas ainda verdes  caídas no chão.
Próximo ao meio dia  chegamos em outra queda de água  onde tivemos que descer ,  pelo lado esquerdo da água ,com o auxilio da corda,  usando o rappel. Quando estava encaixando a corda ao freio oito e ao mosquetão, novamente escorreguei e cai colocando as duas mãos no chão para não me machucar. Sorte que eu estava na parte plana , ainda não tinha iniciado a descida pela corda, porque neste caso teria descido em queda livre.
Depois do rappel  chegamos em um local  plano,  na parte inferior da queda de água. Como o local  o local era muito bonito e devido ao horário, resolvemos fazer uma parada para descanso e almoço. Precisava  comer e também  aproveitar para diminuir  o peso  da mochila. Usando o fogareiro preparei arroz, massa  e ainda tomei  vitamina c e comi algumas bolachas. Aproveitei para tirar algumas fotos, sem ter   tempo para instalar o tripé da maquina fotográfica.
As 13h reiniciamos a caminhada, e o meu braço doía  menos, talvez  pela temperatura que estava mais elevada.  A tarde começamos a encontrar  camisetas, meias, uma sacola plástica com um cobertor dentro e um colchonete  abandonados no canion. Ficamos indignados com quem tinha feito aquilo. Estávamos cuidando para não deixar nem um papel de bala,  jogado no chão, e alguém  vai fazer a travessia e abandona um colchonete !!!  Ficamos com vontade de levar toda a sujeira  que encontrávamos,  mas era impossível, porque as nossas mochilas estavam pesando muito e um cobertor molhado é muito pesado.
Tem  aqueles  que vão fazer a travessia do canion  sem a mínima noção do que estão fazendo. Se você  levar um colchonete de espuma e ele molhar vai ser quase impossível  de transporta-lo, a única  é abandona-lo no canion.
Não demorou muito tivemos que seguir pelo mato, pelo lado direito do rio,  até encontrarmos um novo barranco,  onde tivemos que descer  com a corda. Desta vez não escorreguei. A descida era fácil, pelo meio do mato  e todos desceram bem.
Logo após o rappel o céu, que as vezes estava nublado e de repente estava sem nuvens,  ficou  claro e podemos avistar as formações rochosas nas partes altas do canion. Algumas destas formações apesar  de muito grandes só podem ser visualizadas do fundo do canion.
Após as 15h e 30m  o céu  ficou nublado e as nuvens escuras. Chegamos em um local que o rio segue entre as pedras no formato de um toboagua  gigante. Subimos o barranco do lado esquerdo e seguimos pelo mato. Chegamos em um paredão, em que seguimos em uma espécie de degrau plano, com menos de um metro de largura e muito limo nas pedras, a esquerda a parede de pedra e a direita, lá em baixo, o rio, com uma correnteza muito forte. Em um ponto a parede a esquerda era mais arredondada   o que deixava a parte de cima mais estreita. Eu preferi passar de quatro pés para não cair.
 Seguindo passamos em um lugar que fez lembrar os filmes do “ Indiana  Jones”, o degrau, patamar, por onde seguíamos,  ficou mais largo e tivemos que nos abaixar para passarmos em baixo da  pedra do bloco superior, ou seja, estávamos em uma espécie de fenda horizontal. Pisávamos em cima de um bloco maciço  de pedra  e em cima de nós estava outro maciço, formando uma espécie de abrigo natural ou gruta, na encosta do desfiladeiro. Era um abrigo bom para passarmos a noite  sem dependermos das redes, mas ainda podíamos caminhar mais antes da noite, e o barulho da água  era muito grande( lembra da noite anterior), por isto resolvemos seguir.
Continuamos  pela encosta , agora já  no meio do mato, até chegarmos em um novo barranco, ao lado de uma queda de água de aproximadamente 30m, por onde tivemos que descer de corda.
Nova descida tranqüila, enquanto descíamos começou  a chover. Logo após a queda de água passamos por outra queda menor, onde fiz uma rápida parada  para tirar uma foto com todo o cuidado para não molhar a máquina fotográfica.
O céu estava escuro como se já estivesse anoitecendo mas  apenas eram 16h. estávamos com pressa para encontrarmos  um lugar bom para passarmos a noite. Estávamos ficando cansados , e as pedras molhadas dificultavam a nossa caminhada.
As  16h e 40min encontramos um lugar plano, com arvores e não muito perto da água, um lugar ideal, naquelas circunstancias, para passarmos a noite.
Depois de montadas  as redes o  chuvisqueiro parou. Tive tempo de tomar banho e de colocar uma roupa seca antes de anoitecer e recomeçar a chover. Depois com apenas um fogareiro  fomos nos revezando para prepararmos a janta. Eu e o Albino fomos os últimos e os que mais comemos. Quando escovei os dentes e deitei já passava das 22h. Desta vez já deitei com a cadeira de rappel e fiquei amarrado a corda, estava mais acostumado com a rede, que estava melhor montada.          
A chuva aumentou  e não parou durante toda a noite, apesar da chuva, não tinha neblina, não estava tão frio e não tinha vento.
Tinha amarrado a minha rede em uma arvore muito fina que, com o meu peso, foi sedento deixando a minha rede e a lona da cobertura  mais soltos e curvados. Ao invés de dormir esticado dormi com as pernas encolhidas  o que não foi o suficiente para atrapalhar o meu sono.
 Dia 26-04-99
Seis horas da manhã o dia está começando a clarear, começamos a desmontar o acampamento. Novamente colocar a roupa molhada, preparar o café.
Eu e o Álvaro ficamos nos interrogando sobre em que parte do canion estávamos. Olhando no mapa o Álvaro achava que estávamos próximos do final do canion aproximadamente na curva de nível dos 300m. Eu disse que deveríamos estar próximos  da curva de nível  dos 500m, aproximadamente na metade da extensão do canion.
A  chuva continuava e começamos a desmontar as redes e lonas e a guardar o material  na mochila. Aproveitamos para diminuir o peso da mochila, jogando fora o que não poluísse o  canion e não fizesse falta para o ultimo dia da travessia. Isto me ajudou pouco por que só pude jogar fora, açúcar, sal, granola e algumas bolachas.
As 8h e 30min reiniciamos a caminhada com céu escuro e chuva.  Assim como os meus companheiros já tinham feito hoje era o meu turno para levar   a corda  que estava molhada.  O Álvaro estava com pressa, com receio de que  a chuva elevasse o nível do rio e  porque não gosta de caminhar devagar. O  Fabio, o mais cansado, estava com pressa para chegar em casa, e se não saíssemos rápido do canion não chegaríamos em Porto Alegre ainda no mesmo dia.
Aos poucos, a medida que descemos,  o rio, o canion e a paisagem em geral vai  mudando. O rio aos poucos se torna mais largo, com poucas e menores quedas, e a água, talvez  por isto, cada vez mais cristalina e transparente. As pedras já não são tão grandes e tem um formato mais arredondado.
Continuamos encontrando árvores caídas e começamos a encontrar também folhas verdes caídas no chão e principalmente no fundo do rio.
Em  alguns lugares onde o rio era mais calmo, sem corredeiras,  o fundo estava completamente forrado com folhas verdes, como que um tapete  que podia ser visto mesmo nos lugares mais fundos devido a incrível  transparência da água. Em outros lugares a água do rio parecia ser avermelhada  devido a cor de alguma pedra no fundo. O numero de bromélias que encontrávamos aumentou, a cada tronco, a cada árvore caída  existem várias, somando milhares. Também encontramos várias lagartas, algumas enormes, outras não tão grandes mas muito coloridas.
Não demorou muito e avistamos um outro arroio  que desemboca  no lado direito do rio  por onde andávamos. Percebi que era o arroio que na parte alta do canion, próximo ao final da estrada, forma uma seqüência de cinco quedas de água, então tive certeza, para minha felicidade,  que estávamos mais longe da saída do  canion do que o Álvaro imaginava.
O caminho estava ficando cada vez menos íngreme, mas nem por isto  mais fácil. As pedras que ficam nas sombras das árvores, nas bordas do  rio, que é por onde mais andávamos,  são cobertas por limo e tem uma cor esverdeada, são muito lisas, quase impossível pisar nelas sem escorregar. Para prosseguir atravessávamos o rio de um lado para outro, por onde tivesse passagem, ou por onde o caminho fosse mais fácil. A medida que descíamos  estas travessias de rio  ficavam mais freqüentes  e nas curvas do rio atalhávamos caminho pelo meio do mato.
Em nenhum outro momento da travessia  caminhamos tão rápido e  por tanto tempo sem   realizar paradas para descanso. Devido a estar carregando a corda molhada, comecei a ficar cansado  e a usar cada vez mais as mãos como apoio. Ao pisar  nas pedras, procurei sempre calçar o pé contra outra pedra,  para evitar escorregões, mesmo assim cai dois tombos, e os dedos dos pés começaram  a doer a cada  passo.
Estávamos muito cansados,  eu já estava a 4h caminhando e carregando a corda, quando as 12h e 30min entreguei  a corda para o Eduardo.
    O  rio já não tem mais quedas, só corredeiras, o chuvisqueiro, pela primeira vez neste dia,  parou, e as 13h chegamos em alambique ao lado do rio, onde paramos  para descansar.
    Eu estava triste e decepcionado. Triste por que a travessia estava terminando e      decepcionado por que não tinha conseguido tirar as fotos que eu queria. Neste ultimo dia não tinha feito nenhuma  foto devido, a chuva, a estarmos caminhando com muita pressa sem ser necessário, a estar carregando a corda, a estar sempre com as mãos sujas de  limo e terra, o que também atrapalhava.
Está era a primeira parada do dia, aproveitei para:
-          Trocar as meias gastas e tirar algumas pedrinhas de dentro das minhas botas;
-           Fazer um lanche;
-          Colocar repelente.
Os mosquitos não tomaram conhecimento do repelente e a nossa opção foi continuar caminhando, agora em uma estrada estreita em meio ao mato e ao lado do rio. Caminhamos aproximadamente 1 km até chegarmos a um gramado e uma cerca de pedra onde paramos para tirar uma foto do grupo reunido. A partir daí caminhamos em uma estrada mais larga, e logo tivemos que atravessar alguns riachos, encontramos as primeiras plantações da banana, arvores frutíferas, gramados.
O efeitos da travessia estavam fazendo efeito, os dedos dos pés e  os músculos das pernas estavam doloridos, o meu braço esquerdo ainda doía um pouco, as espinhas das costas, no local  onde ficava em atrito com as tiras da mochila, estava inflamadas e doloridas. 

Continuamos caminhando pela estrada até encontrarmos  um fazendeiro em uma porteira na entrada de uma plantação de bananas. Paramos para conversar e pedir informações e ele nos ofereceu carona em um caminhão que estava a caminho para buscar algumas caixas de maracujá.
Permanecemos ali parados  esperando e conversando durante uma hora. Aproveitei para pedir informações sobre outros canions e trilhas  para descer a serra. O Fábio, muito cansado, estava admirado que eu  já estivesse pensando em fazer outras travessias.
Durante a conversa descobrimos o porque de tantas arvores e folhas caídas no canion, um vendaval algumas semanas antes tinha causado muitos estragos na região. Ficamos sabendo a história de um grupo de 4 porto-alegrenses que duas semanas antes fazia a travessia e teve problemas. Um deles teve uma queda e se feriu e outro teve algum problema de saúde, os dois ficaram no canion enquanto os outros continuaram a travessia até conseguirem a ajuda do corpo de Bombeiros de Jacinto Machado. Para o resgate foram necessários 15 homens que subiram o rio até o local onde estavam os feridos  e levara-os até a estrada, uma caminhada muito penosa. Era este o motivo de termos encontrado tantas roupas, colchonetes e outros objetos jogados no canion.
O fazendeiro afirmou que escolhemos a época certa para realizar a travessia. No inverno faz muito frio e chove muito, no verão acontecem muitas tempestades e chuvas que fazem com que o rio fique cheio rapidamente, “cai tanto raio que chega a clarear  o canion durante a noite, da cada estouro!”.
A nossa carona chegou e de início eu pensei que tivéssemos perdido o nosso tempo ali parados esperando pôr ela. O caminhão Mercedes 608  estava carregado com caixas de madeira cheias, de maracujás, não tinha lugar para levar mais seis pessoas com seis mochilas. Dois de nos foram dentro da cabine, as mochilas em cima das caixas cheias de maracujás, eu, Eric, Albino e Eduardo ficamos em pé no pequeno espaço existente na metade da carroceria. Este espaço separava as caixas cheias, na parte anterior, das caixas vazias, na parte posterior. A estrada desnivelada e esburacada e o rio, de aproximadamente 100m de largura, que tivemos que atravessar,  tornaram nossa carona mais emocionante.
Novamente a pé, caminhamos mais 3 km até chegarmos a vila de Costão da Serra da Pedra, onde fizemos um lanhe e demos alguns telefonemas em um armazém. Continuamos caminhando, e, ainda na vila, conseguimos carona na carroceria de um caminhão da prefeitura, até a cidade de Jacinto Machado.
Na cidade, passando em frente a uma farmácia, aproveitei novamente para me pesar, apesar de todo o peso retirado da mochila, durante os dias anteriores, estava pesando 1 kg a mais do que em Porto Alegre ( material molhado na mochila). Na rodoviária alugamos uma Topic que nos levou até a cidade de Sombrio onde as 18h pegamos ônibus com destino a Porto Alegre onde chegamos as 24h.
27/04/99
As 9h entramos no ônibus que nos trouxe a Santa Cruz do Sul. Estávamos de volta cansados, com muito material para lavar, arrumar e guardar. Estávamos de volta a rotina e as 15h eu já estava de volta ao meu trabalho.

As 17h atendi o telefone, alguém falou algo, mas naquele momento passava um caminhão em frente a loja onde trabalho, não entendi, ele repetiu e eu disse “Oi! Tudo bem!”, ainda sem saber quem era, devido ao barulho vindo da rua. Imediatamente eu senti uma  grande saudade do silêncio do Canion do Fortaleza e do barulho das quedas de água. Senti saudade do canion como se tivesse realizado a travessia a muito tempo atrás.            
     
Luiz Maganini Faccin