23-04-99
Depois de vários dias de preparativos, de muitos
telefonemas, E-mails, e uma demorada
definição do grupo de participante, com muita expectativa,
finalmente chegou o dia da partida para
a nossa aventura.
Fazer a
travessia do Canion Fortaleza, nos
municípios de Cambará do Sul e Jacinto Machado, divisa entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa
Catarina era o nosso objetivo. Simplesmente, por ser um dos lugares mais
bonitos, inacessíveis, perigosos e só por isto preservados no Brasil, no Parque
Nacional da Serra Geral.
Trabalhei até
17h e 30minutos, sai do serviço e passei na casa do meu primo Albino
Adilson Kuhn, que me esperava para pegar
uma carona até a minha residência que fica próxima da estação rodoviária de
Santa Cruz do Sul.
Em casa, tomei um banho rápido, coloquei os últimos
equipamentos na mochila, me despedi de
minha esposa e de minha filha, que mais uma vez não entendeu porque o papai
iria para tão longe , e eu ,mais uma vez, não soube explicar.
Mochila nas costas, fomos caminhando até a rodoviária,
e às 18h e 30minutos iniciou a nossa viagem com destino a Porto Alegre. Na
mesma hora, o meu amigo Álvaro Miguel Müller
estava embarcando na rodoviária de Rio Pardo, também com destino a Porto
Alegre.
Às 20h e 30minutos, chegamos na rodoviária da capital,
onde tivemos tempo de nos pesar com a mochila nas costas, antes que os meus amigos Fábio e Eduardo Kieling chegassem para nos buscar.
No apartamento do Fábio, aproveitamos para conferir os
equipamentos, e ajudar na montagem das mochilas do Fábio e Eduardo. Como
havíamos combinado, saímos para jantar,
em um restaurante com rodízio de massas,
voltamos quase a meia noite. O Fábio, que estava bastante ansioso para a travessia, ainda
precisava terminar de arrumar o seu material, o que acabou demorando e só
deitamos para dormir as 2h do dia 24.
24-4-99
Acordamos às 5h, fizemos um lanche rápido e saímos a
pé para a rodoviária, mas logo,
decidimos pegar um taxi para não nos atrasar.
Na rodoviária,
pela primeira vez ficamos todos
reunidos, eu, Albino, Fábio, Eduardo,
Eric Guatimozin Silva, que já estava nos esperando, e o Álvaro, que chegou logo
depois. Este era o nosso grupo e família
para os próximos dias.
Nossa viagem, iniciou às 6h e 15minutos, demorada,
cansativa, com um ônibus convencional, até a cidade de Cambará do Sul. Em São
Francisco de Paula, tivemos que fazer uma baldeação, pegando outro ônibus para
concluir a viagem.
Chegamos em Cambará ás 11h e 20minutos. Eu pretendia seguir para chegarmos o mais rápido
possível no Canion e iniciarmos a travessia, mas como a maioria decidiu,
almoçamos em um restaurante em Cambará. Logo depois, contratamos uma combi que
nos levou até o início do Canion a 16km
da cidade.
O tempo
estava perfeito, confirmando as
previsões de tempo bom para aquele fim de semana. Estávamos no nosso ponto de
partida a 1057m de altitude, no alto da encosta da serra, local onde tiramos as
primeiras fotos. Ás 13h e 15
minutos, iniciamos a nossa aventura propriamente dita, ou
seja, a caminhada para a travessia do
Canion.
No início foi
fácil, só campo e banhado, até
chegarmos no mato, onde tivemos que
fazer muitos desvios para conseguirmos
passagem, mas sempre continuamos seguindo o arroio. As mochilas, várias vezes,
enroscavam nos cipós e também pegamos os primeiros espinhos ( melhor dizendo,
eles nos pegaram ), nada que diminuísse o nosso ânimo.
Chegamos a primeira queda d'água, onde o relevo
começou a mudar e passamos a caminhar
somente por dentro do arroio. Aos poucos, a inclinação da descida, o tamanho das pedras e a quantidade
de pequenas quedas d’água aumentaram.
Várias vezes, fomos obrigados a entrar no mato fechado, para desviar destas
quedas.
Ás 14h e 30
minutos, chegamos na primeira queda d'água mais alta (aproximadamente, 20m
a 900 m de altitude). Paramos pela
primeira vez (tempo de parada: 10 minutos), a fotografamos várias vezes.
Aproveitei para instalar a máquina fotográfica no tripé para melhorar a qualidade
das fotos. A partir deste ponto, a decida começa a ficar mais difícil, somos
obrigados a usar mais os braços para nos
apoiar, e a sentar para descer de uma pedra para outra. O arroio se transforma
em uma sucessão de pequenas
cachoeiras e corredeiras, as vezes some entre as pedras para reaparecer
novamente mais abaixo.
A medida que
vamos descendo, dos dois lados do arroio surgem paredes de pedra, que é o que
caracteriza o Canion. Avistamos os paredões do Canion mais ao fundo. O sol já não aparece mais.
Apesar de tudo, a nossa descida é tranqüila. Apenas em um lugar tivemos que descer uma queda d'água sentados em cima
de um tronco de arvore caído (
poderia ter sido evitada está descida,
seguindo por outro local, mais perigoso mas, mais rápido).
Chegamos até o mesmo
lugar onde eu, o Albino
e o Miguel Lawisch já havíamos descido no feriado de Páscoa de
1997 (altitude 800m), uma queda d'água de aproximadamente 30m, entre dois
paredões de pedra, em um formato afunilado e, na parte inferior, um poço de água grande e profundo.
O Fábio queria
descer com a corda pela queda d'água e largar as mochilas também pela
corda , até uma pedra maior próxima a
água na
parte inferior.
Eu disse que
achava perigoso e lembrei
que, na outra oportunidade em que estive ali, um outro grupo, que estava
fazendo a travessia do canion, tinha
entrado em uma trilha a esquerda e
retornado, e depois entrado em uma
trilha a direita e não retornado mais.
Encontramos a trilha da esquerda e não entramos,
retornamos, subindo pelas pedras por onde havíamos descido e encontramos o que
parecia ser uma trilha que seguia a
direita. Seguimos pela trilha entre espinhos e cipós, chegando no alto de um
paredão de 32m onde não podíamos seguir. Tinha neblina e
estava começando a escurecer. A noite no Canion
chega mais cedo e mais rápido.
Se descêssemos
o paredão, chegaríamos na parte
inferior a queda d'água que estava nos impedindo a descida.
Álvaro , por ser o mais experiente e por ter conhecimentos de escalada, foi o primeiro a
descer, para poder subir de volta pela corda se fosse preciso, pois não
tínhamos visão de onde chegaríamos após
a descida. Logo depois, desceu o Eduardo, e então chegou a vez do Eric, que
nunca tinha feito rappel (fato que
só ele e o Fábio sabiam até então).
Muito nervosismo e expectativa,
principalmente quando eu e o Fábio
vimos que o Álvaro e o Eduardo não estavam junto a
outra ponta da corda fazendo a
segurança. Gritamos desesperadamente para eles que, apesar do barulho da
água, nos escutaram e voltaram para junto
da corda(local que, de onde
estávamos, não podíamos vê-los). A nossa preocupação parece ter
aumentado ainda mais o medo do
Eric, que ficou apavorado. Gritamos
orientações de como proceder
conforme percebíamos a sua descida e, felizmente, ele desceu bem.
O Álvaro e Eduardo gritaram que, tinham saído de perto
da corda para procurar uma trilha para continuar a descida e tinham
encontrado...
Chegou a minha vez
e, logo no início de descida, escorreguei e cai com o braço esquerdo
contra o chão, levantei e, rapidamente, recomecei a descida. Logo, percebi que
o medo do Eric não era sem fundamento, a descida era muito mais difícil do que
parecia. A encosta era quase toda encoberta por vegetação, principalmente cipós
ou plantas trepadeiras, onde os pés ficavam presos. A encosta era molhada e
lisa, e a escuridão e o peso da mochila,
nas costas, contribuíam para dificultar ainda mais.
Chegando no final da descida, percebi que ali era um
local com pouco espaço, praticamente só pedras e água, e que logo abaixo no
rio existia outra queda d'água, muito
parecida com a anterior por onde não poderíamos descer, principalmente, a
noite.
Albino desceu bem e o Fábio, que foi o ultimo a
descer, foi o que teve maiores dificuldades, principalmente devido a
visibilidade ser cada vez menor e porque estava mais cansado. Conforme o
Fábio descreveu, seus pés ficaram
completamente presos nos cipós.
Para se soltar, foi preciso soltar cada
vez mais a corda até ficar de cabeça para baixo e o
cipó, que o estava prendendo, arrebentar. Chegando mais próximo do final
da descida, Fábio soltou a
mochila que caiu em cima da
vegetação e foi recolhida pelo Albino.
Após todos
terem descido e a corda ser recolhida,
seguimos pela trilha, ou o que parecia ser uma trilha, que o Álvaro e Eduardo tinham encontrado.
A “trilha” seguia pela encosta
no meio do mato. Logo tivemos que ligar as lanternas e em meio aos cipós e
espinhos chegamos novamente no
alto de um paredão.
O Álvaro queria
descer, mas o Fábio queria retornar para
o rio para passarmos a noite em cima das pedras. Eu sugeri que ficássemos ali mesmo,
pelo menos estávamos protegidos
pelo mato e não estávamos tão perto da
água. Descer de corda, à noite, em
local desconhecido, era
arriscado e não tínhamos como saber
se lá em baixo
encontraríamos um lugar bom para passar a noite.
Como ali tinha
pouco lugar para todos, o Fábio, o Eduardo e o Eric
voltaram para o rio. Eu, Albino e Álvaro começamos a montar as redes
ali mesmo no pouco espaço disponível. Tivemos dificuldades para montar as
redes. Primeiro, tivemos que cortar galhos cipós e espinhos e
depois amarrar as cordas somente com a ajuda das lanternas para iluminar
a escuridão. Depois de instaladas as redes e toldos, ascendemos algumas velas e
trocamos de roupa, colocando roupas
secas.
Começa a chover. Era
aquela chuva ou chuvisqueiro tradicional das noites dos Aparados. É tanta
neblina e umidade que ela se torna um chuvisqueiro, que em baixo das árvores
cai com pingos grossos.
Estávamos cansados,
com fome e, principalmente, com
sede. Estávamos tão perto da água e ao mesmo tempo tão longe. Não tínhamos água e para conseguí-la tínhamos que voltar até o rio. Resolvi ir
buscar água. Peguei a lanterna e a caneca e fui em direção ao rio, com muita
dificuldade consegui encontrar o caminho. Cheguei em um
barranco que tinha que descer para
logo abaixo chegar até a água.
Este barranco tínhamos subido segurando
nas raízes existentes, porem, agora eu tinha que descer, não consegui ver as
raízes e a terra que antes estava seca, agora estava molhada por causa da
chuva. Logo abaixo do barranco de terra, de aproximadamente 2,5m de altura,
tinha uma pedra e depois da pedra o
abismo da cascata que eu podia ver o início ali do ladinho. Pensei, “ passo a noite com sede e com fome
mas fico vivo! Não vou descer.”
Gritei para ver
como estavam o Fabio, Eric e Eduardo, se estivessem perto poderiam me ajudar a descer ou me alcançar água,
tentei ilumina-los com a luz da lanterna , não consegui. O Fabio respondeu que tinham subido o
barranco e estavam do outro lado do rio. Perguntei se estavam bem, ele
respondeu que sim. Novamente tentei ilumina-los com a luz da lanterna, desta
vez mais para o alto, para onde a voz do Fabio parecia ter vindo (parecia que estavam tão perto),
novamente não os vi, estavam camuflados pela vegetação. Respondi que
estávamos bem, que não se
preocupassem com nós e que de manhã nos veríamos.
<
Segundo Fabio, Eric e Eduardo me contaram no outro dia:
Eles desceram o barranco, onde eu estava parado, com
muita dificuldade.
No rio, o Fabio, apesar da hora, foi tomar banho, o
Eduardo e Eric começaram a preparar a janta, quando o Eduardo foi colocar o
tubo de gás no fogareiro, o tubo abriu, a borracha de vedação se rompeu e
o gás vazou, quase que em um estouro só. O fogareiro ficou
inutilizável. Depois fizeram um lanche a base de pão, bolachas, lingüiça e
água. Estavam se preparando para dormir,
já deitados nos sacos de dormir,
em cima de uma pedra maior e quase plana, quando começou a chover.
Rapidamente, recolheram as coisas, atravessaram o rio e com muita dificuldade
subiram o barranco, tentando encontrar um lugar mais abrigado para passar a
noite e principalmente para estender as redes.
No escuro não encontraram árvores
apropriadas e nem lugar plano. Amararam
as redes em uma espécie de xaxim,
que tem no máximo 2m de altura, entre 30 e 40 cm de diâmetro, centenas
de espinhos e um aspecto de que representa ser muito frágil.
Quando o
dia clareou, na manhã seguinte, perceberam que tinham amarado as redes
praticamente sobre o abismo, se alguém tivesse caído da rede cairia uns 40m até
se chocar contra as pedras na parte inferior da cascata. Felizmente isto não aconteceu.
Depois de falar
com o Fabio comecei a retornar para o nosso acampamento, que só encontrei
porque vi as luzes das velas acessas. Sem água a janta que
tínhamos programado para a primeira noite estava cancelada. Também íamos passar
a noite sem banho, sem escovar os dentes, coisas que no momento não faziam muita
diferença. Comi algumas bolachas, algumas barras energéticas e me preparei para
dormir: já passavam das 9h da noite.
Dormir com sede
e ao mesmo tempo com um barulho muito alto da queda de água. Dormir em uma rede
mal montada e sem estar acostumado a dormir em rede;
Eu estava com
uma rede de nylon, um saco de dormir de
nylon, calça de abrigo e um casaco também de nylon, tudo muito liso, a cada
movimento e eu precisava me segurar para não cair.
A solução era
ficar quieto e esperar o sono me vencer.
Quieto, comecei a sentir um pouco de frio e notei que
o meu braço esquerdo estava doendo
próximo ao cotovelo, quando mexi o braço ele realmente doeu. Era só
mexer um dedo da mão e o braço já
doía, lembrei-me que tinha caído no
início rappel. Fiquei com medo de Ter sofrido alguma fratura e que com o braço
quebrado a travessia do canion é quase impossível.
Permaneci tentando encontrar uma maneira de dormir.
Parou de chuviscar as duas horas da madrugada, liguei
a lanterna e notei que não tinha mais neblina, olhei em volta iluminando com a
luz da lanterna e vi abaixo de min uma encosta muito profunda com uma parte
escura antes de uma parede vertical de
pedra. Assustei-me porque estávamos e tínhamos passado muito mais perto do
abismo do que parecia. Eu sabia que se eu caísse da rede não cairia neste
abismo, mas mesmo assim eu tinha a sensação de que abaixo de minha rede estava
apenas o vazio.
As 4h, cansado
de tanto tentar me ajeitar em cima da rede para não cair, levantei, vesti a
cadeira , usada no rappel, cortei um pedaço de corda, amarrei na cadeira e no mosquetão e
cruzei na corda que eu tinha amarrado a
rede e que ia de uma ponta a outra da rede, passando por cima de min e ajudando
a segurar a lona que servia de toldo. Sabia que esta corda estava bem amarrada
e que desta maneira eu não cairia da rede. Assim amarrado fiquei mais firme em
cima da rede e mais tranqüilo.
Aos poucos o barulho da queda de água foi diminuindo,
diminuindo... por alguns minutos não
escutei mais o barulho da queda de
água, estava na minha cama, dormindo
tranqüilamente. De repente, Que susto!
Foi como se alguém tivesse ligado
um aparelho de som a todo volume, ou o despertador tivesse tocado, era o barulho da queda de água que tinha
voltado e eu estava de volta ao canion.
Na realidade eu tinha dormido por aproximadamente uma
hora, passavam das cinco horas, um novo dia estava começando.
25-05-99
O Alvaro me chamou, ele, assim como eu, também tinha
passado a noite praticamente sem dormir.
Depois das cinco o dia começou a clarear, passamos a
conversar e a observar o céu entre os
galhos das arvores, as flores no paredão de pedra e o abismo que ficava
cada vez mais visível.
O dia estava claro, chamamos o Albino, que estava
quieto, acho que estava dormindo. Ele também tinha passado a noite quase sem
dormir, tinha instalado mal a cobertura
e a chuva tinha molhado a sua rede.
Seis horas, hora de levantar, a noite não tinha sido
boa, mas apesar da chuva , não podíamos
reclamar do clima porque não tinha feito frio o que é raro
acontecer nos Aparados da Serra.
Escutamos alguns gritos, era o Fabio e o Eduardo não
entendi o que eles gritaram.
Levantar, tirar a roupa seca, colocar as calças e
botas geladas e molhadas, desmontar a rede, guardar a lona molhada na mochila.
O Fábio e o Eduardo gritaram novamente que estavam
prontos para continuar a travessia e que tinham encontrado o caminho.
Com a ajuda do Álvaro enfaixei parte do meu braço esquerdo, sem
imobiliza-lo, para tentar evitar a dor e o aumento da contusão.
Terminamos de guardar os materiais e saímos em direção
ao rio. Ficamos assustados com os lugares
por onde tínhamos passado
durante a noite. Passamos ao lado de penhascos muito
altos, que durante a noite pareciam pequenos barrancos.
Com dificuldade,
descemos o barranco que eu fiquei com medo de descer durante a noite
quando sai para buscar água.
Chegamos ao rio e
avistamos o local onde tínhamos descido com ajuda da corda.
Encontramos o Fábio, Eric e o Eduardo que nos
esperavam e subimos o barranco do outro lado do rio, para continuarmos a nossa
aventura.
Eram 8h,
reiniciamos a caminhada sem tomarmos o café da manhã.
Já no início para subir o barranco senti dor no meu
braço esquerdo, a primeira e depois
cada vez que precisava apoiar ou
fazer força com este braço sentia dor.
Estávamos na parte mais íngreme do canion e o rio é uma seqüência de quedas de água.
Avistamos o local onde tínhamos passado a noite, agora na parte inferior.
Seguimos no
mato descendo na encosta por onde andamos por mais de uma hora. Avistamos a
queda de água de 80m do Arroio Segredo,
talvez o local mais bonito do canion, se é que se possa dizer que um local é mais bonito do que o
outro. A impressão que tive, enquanto fazia a travessia, foi a de que, o local
mais bonito do canion sempre era aquele que eu estava no momento.
Continuamos descendo até chegarmos no rio por
onde prosseguimos. Descida demorada, por
varias vezes tivemos que tirar as mochilas das costas para conseguir
prosseguir/ descer de uma pedra para outra.
Chegamos até o encontro dos arroios onde tem uma queda
de água também muito bonita . A partir
deste ponto o canion se torna
mais plano, passamos a andar mais pelo rio. Dos
dois lados do rio existem paredões verticais de pedra é como se
estivéssemos caminhando dentro de uma
calha gigante que a natureza levou
milhões de anos para esculpir. Pela
primeira vez tivemos que andar com água pela cintura.
Logo percebi algumas das características dos meus
companheiros de viagem. Eric era o mais lento, Fabio, o mais cansado e Álvaro,
o mais apressado e rápido.
Ao contrário do dia anterior estávamos progredindo
dentro do canion. Próximos aos 700m de altitude encontramos um lugar plano, com
arvores, ou seja um lugar ideal para termos instalados nossas redes e passado a
noite. Percebemos o nosso erro, devíamos ter iniciado a descida do canion mais cedo, assim teríamos
tempo de encontrar um lugar para passar
a noite.
Começamos a encontrar arvores caídas, quebradas
recentemente, e folhas ainda verdes
caídas no chão.
Próximo ao meio dia
chegamos em outra queda de água
onde tivemos que descer , pelo
lado esquerdo da água ,com o auxilio da corda,
usando o rappel. Quando estava encaixando a corda ao freio oito e ao
mosquetão, novamente escorreguei e cai colocando as duas mãos no chão para não
me machucar. Sorte que eu estava na parte plana , ainda não tinha iniciado a
descida pela corda, porque neste caso teria descido em queda livre.
Depois do rappel
chegamos em um local plano, na parte inferior da queda de água. Como o
local o local era muito bonito e devido
ao horário, resolvemos fazer uma parada para descanso e almoço. Precisava comer e também aproveitar para diminuir o peso
da mochila. Usando o fogareiro preparei arroz, massa e ainda tomei
vitamina c e comi algumas bolachas. Aproveitei para tirar algumas fotos,
sem ter tempo para instalar o tripé da
maquina fotográfica.
As 13h reiniciamos a caminhada, e o meu braço
doía menos, talvez pela temperatura que estava mais
elevada. A tarde começamos a encontrar camisetas, meias, uma sacola plástica com um
cobertor dentro e um colchonete
abandonados no canion. Ficamos indignados com quem tinha feito aquilo.
Estávamos cuidando para não deixar nem um papel de bala, jogado no chão, e alguém vai fazer a travessia e abandona um
colchonete !!! Ficamos com vontade de
levar toda a sujeira que
encontrávamos, mas era impossível,
porque as nossas mochilas estavam pesando muito e um cobertor molhado é muito
pesado.
Tem
aqueles que vão fazer a travessia
do canion sem a mínima noção do que
estão fazendo. Se você levar um
colchonete de espuma e ele molhar vai ser quase impossível de transporta-lo, a única é abandona-lo no canion.
Não demorou muito tivemos que seguir pelo mato, pelo
lado direito do rio, até encontrarmos um
novo barranco, onde tivemos que
descer com a corda. Desta vez não
escorreguei. A descida era fácil, pelo meio do mato e todos desceram bem.
Logo após o rappel o céu, que as vezes estava nublado
e de repente estava sem nuvens,
ficou claro e podemos avistar as
formações rochosas nas partes altas do canion. Algumas destas formações
apesar de muito grandes só podem ser
visualizadas do fundo do canion.
Após as 15h e 30m
o céu ficou nublado e as nuvens
escuras. Chegamos em um local que o rio segue entre as pedras no formato de um
toboagua gigante. Subimos o barranco do
lado esquerdo e seguimos pelo mato. Chegamos em um paredão, em que seguimos em
uma espécie de degrau plano, com menos de um metro de largura e muito limo nas
pedras, a esquerda a parede de pedra e a direita, lá em baixo, o rio, com uma
correnteza muito forte. Em um ponto a parede a esquerda era mais
arredondada o que deixava a parte de
cima mais estreita. Eu preferi passar de quatro pés para não cair.
Seguindo
passamos em um lugar que fez lembrar os filmes do “ Indiana Jones”, o degrau, patamar, por onde
seguíamos, ficou mais largo e tivemos
que nos abaixar para passarmos em baixo da
pedra do bloco superior, ou seja, estávamos em uma espécie de fenda
horizontal. Pisávamos em cima de um bloco maciço de pedra
e em cima de nós estava outro maciço, formando uma espécie de abrigo
natural ou gruta, na encosta do desfiladeiro. Era um abrigo bom para passarmos
a noite sem dependermos das redes, mas
ainda podíamos caminhar mais antes da noite, e o barulho da água era muito grande( lembra da noite anterior),
por isto resolvemos seguir.
Continuamos
pela encosta , agora já no meio
do mato, até chegarmos em um novo barranco, ao lado de uma queda de água de
aproximadamente 30m, por onde tivemos que descer de corda.
Nova descida tranqüila, enquanto descíamos
começou a chover. Logo após a queda de
água passamos por outra queda menor, onde fiz uma rápida parada para tirar uma foto com todo o cuidado para
não molhar a máquina fotográfica.
O céu estava escuro como se já estivesse anoitecendo
mas apenas eram 16h. estávamos com
pressa para encontrarmos um lugar bom
para passarmos a noite. Estávamos ficando cansados , e as pedras molhadas
dificultavam a nossa caminhada.
As 16h e 40min
encontramos um lugar plano, com arvores e não muito perto da água, um lugar
ideal, naquelas circunstancias, para passarmos a noite.
Depois de montadas
as redes o chuvisqueiro parou.
Tive tempo de tomar banho e de colocar uma roupa seca antes de anoitecer e recomeçar
a chover. Depois com apenas um fogareiro
fomos nos revezando para prepararmos a janta. Eu e o Albino fomos os
últimos e os que mais comemos. Quando escovei os dentes e deitei já passava das
22h. Desta vez já deitei com a cadeira de rappel e fiquei amarrado a corda,
estava mais acostumado com a rede, que estava melhor montada.
A chuva aumentou
e não parou durante toda a noite, apesar da chuva, não tinha neblina,
não estava tão frio e não tinha vento.
Tinha amarrado a minha rede em uma arvore muito fina
que, com o meu peso, foi sedento deixando a minha rede e a lona da
cobertura mais soltos e curvados. Ao
invés de dormir esticado dormi com as pernas encolhidas o que não foi o suficiente para atrapalhar o
meu sono.
Dia 26-04-99
Seis horas da manhã o dia está começando a clarear,
começamos a desmontar o acampamento. Novamente colocar a roupa molhada,
preparar o café.
Eu e o Álvaro ficamos nos interrogando sobre em que
parte do canion estávamos. Olhando no mapa o Álvaro achava que estávamos
próximos do final do canion aproximadamente na curva de nível dos 300m. Eu
disse que deveríamos estar próximos da
curva de nível dos 500m, aproximadamente
na metade da extensão do canion.
A chuva
continuava e começamos a desmontar as redes e lonas e a guardar o material na mochila. Aproveitamos para diminuir o peso
da mochila, jogando fora o que não poluísse o
canion e não fizesse falta para o ultimo dia da travessia. Isto me
ajudou pouco por que só pude jogar fora, açúcar, sal, granola e algumas bolachas.
As 8h e 30min reiniciamos a caminhada com céu escuro e
chuva. Assim como os meus companheiros
já tinham feito hoje era o meu turno para levar a corda
que estava molhada. O Álvaro
estava com pressa, com receio de que a
chuva elevasse o nível do rio e porque
não gosta de caminhar devagar. O Fabio,
o mais cansado, estava com pressa para chegar em casa, e se não saíssemos
rápido do canion não chegaríamos em Porto Alegre ainda no mesmo dia.
Aos poucos, a medida que descemos, o rio, o canion e a paisagem em geral
vai mudando. O rio aos poucos se torna
mais largo, com poucas e menores quedas, e a água, talvez por isto, cada vez mais cristalina e
transparente. As pedras já não são tão grandes e tem um formato mais
arredondado.
Continuamos encontrando árvores caídas e começamos a
encontrar também folhas verdes caídas no chão e principalmente no fundo do rio.
Em alguns
lugares onde o rio era mais calmo, sem corredeiras, o fundo estava completamente forrado com
folhas verdes, como que um tapete que podia
ser visto mesmo nos lugares mais fundos devido a incrível transparência da água. Em outros lugares a
água do rio parecia ser avermelhada
devido a cor de alguma pedra no fundo. O numero de bromélias que
encontrávamos aumentou, a cada tronco, a cada árvore caída existem várias, somando milhares. Também
encontramos várias lagartas, algumas enormes, outras não tão grandes mas muito
coloridas.
Não demorou muito e avistamos um outro arroio que desemboca
no lado direito do rio por onde
andávamos. Percebi que era o arroio que na parte alta do canion, próximo ao
final da estrada, forma uma seqüência de cinco quedas de água, então tive
certeza, para minha felicidade, que
estávamos mais longe da saída do canion
do que o Álvaro imaginava.
O caminho estava ficando cada vez menos íngreme, mas
nem por isto mais fácil. As pedras que
ficam nas sombras das árvores, nas bordas do
rio, que é por onde mais andávamos,
são cobertas por limo e tem uma cor esverdeada, são muito lisas, quase
impossível pisar nelas sem escorregar. Para prosseguir atravessávamos o rio de
um lado para outro, por onde tivesse passagem, ou por onde o caminho fosse mais
fácil. A medida que descíamos estas
travessias de rio ficavam mais
freqüentes e nas curvas do rio
atalhávamos caminho pelo meio do mato.
Em nenhum outro momento da travessia caminhamos tão rápido e por tanto tempo sem realizar paradas para descanso. Devido a
estar carregando a corda molhada, comecei a ficar cansado e a usar cada vez mais as mãos como apoio. Ao
pisar nas pedras, procurei sempre calçar
o pé contra outra pedra, para evitar
escorregões, mesmo assim cai dois tombos, e os dedos dos pés começaram a doer a cada
passo.
Estávamos muito cansados, eu já estava a 4h caminhando e carregando a
corda, quando as 12h e 30min entreguei a
corda para o Eduardo.
O rio já não tem mais quedas, só corredeiras, o
chuvisqueiro, pela primeira vez neste dia,
parou, e as 13h chegamos em alambique ao lado do rio, onde paramos para descansar.
Eu estava
triste e decepcionado. Triste por que a travessia estava terminando e decepcionado por que não tinha conseguido
tirar as fotos que eu queria. Neste ultimo dia não tinha feito nenhuma foto devido, a chuva, a estarmos caminhando
com muita pressa sem ser necessário, a estar carregando a corda, a estar sempre
com as mãos sujas de limo e terra, o que
também atrapalhava.
Está era a primeira parada do dia, aproveitei para:
-
Trocar as meias gastas e tirar algumas pedrinhas de
dentro das minhas botas;
-
Fazer um lanche;
-
Colocar repelente.
Os
mosquitos não tomaram conhecimento do repelente e a nossa opção foi continuar
caminhando, agora em uma estrada estreita em meio ao mato e ao lado do rio.
Caminhamos aproximadamente 1 km até chegarmos a um gramado e uma cerca de pedra
onde paramos para tirar uma foto do grupo reunido. A partir daí caminhamos em
uma estrada mais larga, e logo tivemos que atravessar alguns riachos,
encontramos as primeiras plantações da banana, arvores frutíferas, gramados.
O
efeitos da travessia estavam fazendo efeito, os dedos dos pés e os músculos das pernas estavam doloridos, o
meu braço esquerdo ainda doía um pouco, as espinhas das costas, no local onde ficava em atrito com as tiras da
mochila, estava inflamadas e doloridas.
Continuamos
caminhando pela estrada até encontrarmos
um fazendeiro em uma porteira na entrada de uma plantação de bananas.
Paramos para conversar e pedir informações e ele nos ofereceu carona em um
caminhão que estava a caminho para buscar algumas caixas de maracujá.
Permanecemos
ali parados esperando e conversando
durante uma hora. Aproveitei para pedir informações sobre outros canions e
trilhas para descer a serra. O Fábio,
muito cansado, estava admirado que eu já
estivesse pensando em fazer outras travessias.
Durante
a conversa descobrimos o porque de tantas arvores e folhas caídas no canion, um
vendaval algumas semanas antes tinha causado muitos estragos na região. Ficamos
sabendo a história de um grupo de 4 porto-alegrenses que duas semanas antes
fazia a travessia e teve problemas. Um deles teve uma queda e se feriu e outro
teve algum problema de saúde, os dois ficaram no canion enquanto os outros
continuaram a travessia até conseguirem a ajuda do corpo de Bombeiros de
Jacinto Machado. Para o resgate foram necessários 15 homens que subiram o rio
até o local onde estavam os feridos e
levara-os até a estrada, uma caminhada muito penosa. Era este o motivo de
termos encontrado tantas roupas, colchonetes e outros objetos jogados no
canion.
O
fazendeiro afirmou que escolhemos a época certa para realizar a travessia. No
inverno faz muito frio e chove muito, no verão acontecem muitas tempestades e
chuvas que fazem com que o rio fique cheio rapidamente, “cai tanto raio que
chega a clarear o canion durante a
noite, da cada estouro!”.
A nossa
carona chegou e de início eu pensei que tivéssemos perdido o nosso tempo ali
parados esperando pôr ela. O caminhão Mercedes 608 estava carregado com caixas de madeira
cheias, de maracujás, não tinha lugar para levar mais seis pessoas com seis
mochilas. Dois de nos foram dentro da cabine, as mochilas em cima das caixas
cheias de maracujás, eu, Eric, Albino e Eduardo ficamos em pé no pequeno espaço
existente na metade da carroceria. Este espaço separava as caixas cheias, na
parte anterior, das caixas vazias, na parte posterior. A estrada desnivelada e
esburacada e o rio, de aproximadamente 100m de largura, que tivemos que
atravessar, tornaram nossa carona mais
emocionante.
Novamente
a pé, caminhamos mais 3 km até chegarmos a vila de Costão da Serra da Pedra,
onde fizemos um lanhe e demos alguns telefonemas em um armazém. Continuamos
caminhando, e, ainda na vila, conseguimos carona na carroceria de um caminhão
da prefeitura, até a cidade de Jacinto Machado.
Na
cidade, passando em frente a uma farmácia, aproveitei novamente para me pesar,
apesar de todo o peso retirado da mochila, durante os dias anteriores, estava
pesando 1 kg a mais do que em Porto Alegre ( material molhado na mochila). Na
rodoviária alugamos uma Topic que nos levou até a cidade de Sombrio onde as 18h
pegamos ônibus com destino a Porto Alegre onde chegamos as 24h.
27/04/99
As 9h
entramos no ônibus que nos trouxe a Santa Cruz do Sul. Estávamos de volta
cansados, com muito material para lavar, arrumar e guardar. Estávamos de volta
a rotina e as 15h eu já estava de volta ao meu trabalho.
As 17h
atendi o telefone, alguém falou algo, mas naquele momento passava um caminhão
em frente a loja onde trabalho, não entendi, ele repetiu e eu disse “Oi! Tudo
bem!”, ainda sem saber quem era, devido ao barulho vindo da rua. Imediatamente
eu senti uma grande saudade do silêncio
do Canion do Fortaleza e do barulho das quedas de água. Senti saudade do canion
como se tivesse realizado a travessia a muito tempo atrás.
Luiz Maganini Faccin
Era 1999... menos tecnologia, menos preparo, menos planejamento... mais amadorismo, mais inconsequência, mais impaciência... Felizmente deu tudo certo e a aventura rendeu uma boa história.
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